O filho de um amigo meu foi
acometido de doença súbita. O jovem de 18 anos, sem qualquer antecedente clínico relevante, sentiu-se mal ao início da manhã, antes mesmo de se
levantar. Os pais estavam em casa. O Pai Bombeiro Voluntário desde sempre,
imediatamente teve noção do que se estava a passar, ligou diretamente para os
seus Bombeiros e iniciou o protocolo de suporte básico de vida. Não será a
mesma coisa fazê-lo no seu próprio filho, como tantas outras vezes o terá feito
em tantos cidadãos mais ou menos anónimos, mas, como Bombeiro, estava naturalmente
preparado para tudo.
Pouco depois, chegavam os colegas
Bombeiros munidos com o Desfibrilador Automático Externo (DAE), o equipamento que, até há pouco tempo, era de
uso exclusivo dos médicos.
O conhecimento, a celeridade de
atuação nas manobras de reanimação, a rapidez da comunicação ao meio de socorro
mais próximo, o equipamento adequado e a eficácia na sua utilização fizeram a
diferença entre a celebração da vida e a angústia da morte.
Não fora esta feliz sequência de
procedimentos, e hoje poderíamos estar a lamentar a perda prematura de um jovem
de 18 anos.
Este acontecimento, e o facto de
estar a fazer o balanço de um dia em que os “meus” Bombeiros registaram três
vitimas mortais em 13 situações de emergência na área da saúde, levaram-me a
tornar pública a minha reflexão.
Nestas treze situações de que
resultaram três mortes, numa delas, um homem de cerca de 50 anos, que reside a
pouco mais de 200 metros do quartel, também foi utilizado o DAE e efetuadas
todas as manobras de reanimação, só que porventura tarde demais. Neste caso,
quem estava em casa não sabia, não teve discernimento ou simplesmente não
percebeu a situação e não houve lugar a reanimação imediata. Neste caso, quem
pediu socorro ligou o número 112, cuja chamada pode ser atendida no Porto, ou
Lisboa ou em Coimbra, uma e duas vezes, respondeu a uma bateria de questões e
esperou que a sua chamada fosse depois encaminhada para os Bombeiros que, na
situação em apreço, ficam a 200 metros de distância. Tudo isto demora
seguramente entre 10 a 15 minutos. Se adicionarmos o tempo de deslocação parece
uma eternidade.
A questão não está no facto de
ligar ou não para o 112, naturalmente que nem toda a gente sabe o número de telefone
dos Bombeiros mais próximos, e as doenças súbitas e paragens
cardiorrespiratórias não têm lugar nem horário pré-definidos. O número 112
constituiu um enorme avanço no socorro e na assistência em geral, ao nível
europeu, mas não é, nem pode, ser único nem exclusivo.
O que importa salientar é que nem
sempre temos obrigatoriamente que cumprir com tudo o que está determinado.
Quando se trata de salvar a vida humana temos que agir com conhecimento e com
celeridade, sem medo que um qualquer operador, por mais respeitável que seja, e
que eu respeito muito, nos questione, tantas vezes com arrogância, porque ligou
para ali quando devia ter ligado para aqui.
O que importa é que todos os agentes e operadores na área da
saúde, da proteção e do socorro, possam pautar a sua atuação pelo respeito
mútuo e pela indispensável confiança, que deve prevalecer entre todos os que
concorrem para os mesmos fins, sem preconceitos ou esboço de “capelinhas”,
colocando a salvaguarda da vida acima de todo e qualquer corporativismo.
O que importa destacar, é a
necessidade de ter os equipamentos adequados e os correspondentes conhecimentos,
sem ter medo da perda de competências ou privilégios. A utilização do DAE, é um
bom e recente exemplo, bem como a “guerra” e falta de acordo entre Enfermeiros
e Técnicos de Emergência.
Por último, o que mais importa
salientar é a necessidade cada vez maior de aprender gestos básicos e simples
que podem salvar vidas.
Pela nossa parte, no que aos Bombeiros diz respeito, julgamos que
temos feito o nosso caminho para mudar este paradigma do desconhecimento. Nas
nossas “escolinhas”, nos Agrupamentos de Escolas, nas empresas, nas IPSSs, na
sociedade em geral, no entanto, e perante um número crescente de emergências,
temos também consciência que há ainda muito para fazer e mentalidades para mudar.