Os Bombeiros Portugueses
e a sociedade em geral, tem assistido à discussão pública sobre o relatório que
avaliou as circunstâncias em que ocorreram as mortes dos oitos Bombeiros e,
sobretudo, sobre a polémica em que o mesmo está envolvido.
Este documento, tornado
público às pinguinhas porventura para dilatar no tempo os efeitos pretendidos
com a sua divulgação, pouco nos trouxe de novo e nem mesmo a preocupação
permanente de uns tantos de tirarem proveitos e protagonismos pessoais, nos
causa qualquer estranheza.
Em Portugal, qualquer
relatório ou documento de apuramento de factos está, à partida, envolto em
polémica, e não estaremos muito enganados se considerarmos que muitos dos que
têm opinado sobre ele, não o leu na totalidade e, porventura, nem mesmo alguma
comunicação social que apenas lê, e às vezes de forma enviesada, o que
interessa para vender noticia.
Depois de o conhecer na
íntegra, também nós ficámos com opinião diferente daquela que foi amplamente
divulgada pela comunicação social.
Das 111 páginas que são conhecidas, podemos considerar perigoso,
em particular nestes casos em que tudo é tão imprevisível, deixar uma porta aberta
para apontar culpados de uma forma tão linear ou generalizar responsabilidades
e falhas, criando na opinião pública dúvidas, suspeitas e mesmo anátemas sobre
aqueles que têm como missão a proteção e o socorro e que são muitas vezes a
única tábua de salvação, em particular, para as pessoas que vivem mais isoladas.
Não fora a grande confiança e o enorme carinho, que toda a população tem pelos
nossos Bombeiros, reconhecendo a sua capacidade e o seu sentido de entrega, e tudo
poderia estar posto em causa.
Queremos crer que nunca foi esta a intenção dos autores do relatório.
Isto mesmo é, aliás, expresso por diversas vezes e formas, quando por exemplo é
dito “que após os incêndios extintos, com toda a informação disponível, é muito
fácil criticar e apontar os aspetos que correram menos bem”, ou
quando os autores afirmam “Aceitámos este
encargo cientes das dificuldades inerentes a um trabalho desta natureza…….. Não
é nosso propósito acusar ou responsabilizar qualquer pessoa ou entidade pelas
ações que descrevemos ou pelos seus resultados.”
Assim, após uma análise atenta, julgamos que,
apesar de tudo, podemos retirar muitas notas positivas do relatório e
transformá-lo numa ferramenta útil para os Bombeiros. Basta lê-lo com um olhar afirmativo,
sem dogmas ou preconceitos e acreditar na boa-fé dos seus autores.
O apelo a melhor formação deve ser entendido no
aspeto de evolução qualitativa, tendo em conta as mudanças operadas na
floresta, face à sua desqualificação, desertificação e abandono.
A formação credenciada no uso do chamado
contra-fogo, deve continuar a ser ministrada aos Bombeiros sobretudo às
chefias. Os Bombeiros devem poder utilizar este recurso com segurança e sem
complexos. Não é possível estar sempre à espera de equipas que vêm de fora.
Quando chegam, raramente chegam a tempo, levam eternidades a fazer a avaliação,
não confiam nos operacionais que estão no terreno, são bem pagas, ao contrário
da esmagadora maioria dos Bombeiros, e são geradoras de conflitos
desnecessários.
A necessidade de melhorar permanentemente os
equipamentos de proteção individual é uma realidade inquestionável que este
relatório confirma e reforça.
Concordamos em absoluto com a proposta inserida
no relatório “Recomenda‐se a promoção de
um programa Nacional, envolvendo diversas entidades operacionais, autarquias,
empresas e a comunidade científica, para implementar soluções do problema dos
incêndios florestais, de uma forma integrada e sustentada, por meio de ações de
validação, demonstração e aplicação de medidas eficazes ou inovadoras de
prevenção e segurança.”
Por tudo isto, não comungamos da crítica pura e
dura ao relatório e aos seus autores, como não partilhamos da ideia
generalizada, que pareceu transparecer, da falta de formação, ou de negligência
na abordagem às situações. Os incêndios florestais desenvolvem-se em cenários
demasiado complexos para se fazerem leituras tão simplistas. Quando queremos
retirar duas ou três frases de um contexto mais vasto, podemos especular até
onde a imaginação nos quiser levar e, sobretudo, podemos desviar as atenções
dos verdadeiros problemas, que nos afetam a todos enquanto Bombeiros e cidadãos.
No momento em que escrevemos estas linhas, os
Bombeiros Portugueses desdobram-se nas mais variadas tarefas de proteção e socorro,
que decorrem do mau tempo e quantas vezes da falta de prevenção. Está quase a
fazer um ano, que o país viveu alguns momentos de aflição com o fenómeno
meteorológico da ciclogénese explosiva. Árvores caídas em cima das linhas de
eletricidade, nos telhados das habitações, inundações por manifesta falta de
limpeza. Tudo isto foi sentido, vivido e comentado. De então para cá, pouco ou
nada fizemos para minimizar as consequências de fenómenos idênticos e lá estão novamente
as árvores caídas sobre as casas, sobre as linhas, as inundações e tantas
outras situações, que, não podendo de todo ser evitadas, podiam ser pelo menos
minimizadas nos seus efeitos.
Precisamos continuar a prevenir mais do que a
remediar. Esta poderia ser, aliás, a
grande mensagem para 2014.
António Simões
(Artigo originalmente publicado no Diário As Beiras)